Valor Econômico

A multipropriedade imobiliária é um regime de condomínio por meio do qual cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida por cada um, de forma alternada.

Em outras palavras, é a possibilidade de se várias pessoas donas de um único imóvel, porém com exclusividade e em sua integralidade apenas por um determinado período de tempo.

Em 21 de dezembro de 2018, foi publicada a Lei nº 13.777, que alterou dispositivos da Lei Federal nº 10.406/2002 (Código Civil, com inclusão dos artigos 1.358-B a 1.358-U) e da Lei Federal nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos, com inclusão dos parágrafos 10, 11 e 12 ao item 6) do artigo 176 e inciso III ao artigo 178), passando a reconhecer dentro do nosso sistema legal a multipropriedade imobiliária, também conhecida como “time sharing”, que apesar de já ser utilizada no mercado brasileiro, carecia de uma regulamentação específica.

Vale destacar que o sistema gera emprego, renda e movimenta as cidades, contribuindo para o turismo

O próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), antes mesmo da publicação da Lei nº 13.777, já vinha reconhecendo a natureza jurídica de direito real da multipropriedade e sua harmonia com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil, como comprova o seguinte julgado: STJ, 3ª Turma, REsp 1.546.165/SP, Rel. João Otávio de Noronha, julgado em 26/04/2016, publicado em 06/09/2016.

O conceito de multipropriedade é muito difundido no exterior. Foi criado na França, em meados do século XX, para estimular a economia pós Segunda Guerra Mundial e teve seu “boom” nos Estados Unidos, na década de 80, com a introdução de grandes cadeias hoteleiras e imobiliárias no setor.

No Brasil, apenas em 1983 foi desenvolvido (e inaugurado em 1985) o que pode ser considerado o primeiro empreendimento imobiliário de propriedade compartilhada: o Condomínio Paúba – Canto Sul, em São Sebastião/SP.

Estudo recente realizado pelo Sindicato da Habitação de São Paulo revela forte crescimento do número de empreendimentos fracionados e compartilhados desde o início do ano passado. O total saltou de 54 em 2017 para 79 até maio de 2018, um crescimento de 46,3%. Além destes, a pesquisa identificou 18 novos projetos em dez cidades, como Rio de Janeiro, Gramado, Balneário Camboriú e Fortaleza, que ainda não chegaram ao mercado.

A multipropriedade pode ser instituída por ato entre vivos ou testamento registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar do respectivo ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo, que não poderá ser inferior a sete dias, seguidos ou intercalados. Assim, um imóvel pode ser parcelado em até 52 unidades de tempo (equivalente a 1 semana por ano), podendo ser utilizado, em tese, pelo mesmo número de pessoas diferentes.

Nos termos do artigo 1.359-O do Código Civil, para que haja a instituição da multipropriedade em parte ou na totalidade de unidades autônomas de condomínios edilícios, há necessidade de previsão expressa neste sentido na respectiva convenção de condomínio ou mediante deliberação da maioria absoluta dos condôminos.

Cada multiproprietário responderá, individualmente e na proporção de sua fração de tempo, pelo pagamento dos encargos que incidam sobre o imóvel, sendo que a referida cobrança será realizada por meio de documentos individualizados para cada um. Não haverá solidariedade entre os diversos multiproprietários, ou seja, em caso de inadimplemento, o Fisco poderá executar a fração de um ou mais devedores para quitação da dívida sem que isso prejudique os outros multiproprietários.

A convenção de condomínio determinará, ainda, as principais regras para ocupação do imóvel, incluindo os poderes e deveres dos multiproprietários, o número máximo de pessoas que podem ocupar simultaneamente o imóvel, a criação de fundo de reserva para reposição e manutenção de instalações e mobiliário, as multas aplicáveis ao multiproprietário que não cumprir com seus deveres, entre outros pontos.

A Lei 13.777 abrange apenas o condomínio multiproprietário de imóvel e, diante de sua natureza assessória, o mobiliário que eventualmente guarnecer o mesmo, não podendo ser estendida, por ora, a bens móveis como aeronaves, barcos e afins.

A propriedade compartilhada é uma tendência global, que segue o conceito da economia colaborativa, compartilhando e reduzindo custos para manutenção do imóvel, investimento reduzido para sua aquisição e proporcionando mais acesso da população aos principais destinos turísticos. Além disso, a Lei 13.777 traz maior tranquilidade ao incorporador, que passa a ter nas disposições legais – além do respaldo jurídico – regras e orientações transparentes e seguras para o uso correto do imóvel. Por outro lado, oferece ao adquirente da fração uma maior segurança, redução de custos e despesas com a “segunda residência” e, em caso de desistência da continuidade do contrato, a possibilidade de venda de sua parte a qualquer momento, sem precisar de anuência dos demais proprietários.

Por fim, vale destacar ainda que o sistema gera emprego, renda e movimenta as cidades, contribuindo para o segmento de turismo, que ganha ainda mais relevância. Uma coisa é certa: a entrada em vigor da Lei 13.777/18 trará ainda muitos desdobramentos positivos, seja no setor imobiliário, seja no setor turístico, podendo ser, ainda, uma alternativa para viabilizar alguns empreendimentos hoteleiros que restaram subutilizados em diversas cidades brasileiras.

Guilherme Zoghbi Ayala é advogado da área de Direito Imobiliário no BMA – Barbosa, Müssnich, Aragão

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações